Muito se fala sobre jejum intermitente, jejum total, jejum parcial, jejum de doces… Mas afinal, o que é jejuar e orar para nós católicos? Qual a diferença entre um jejum segundo o mundo e segundo a Igreja Católica?
O jejum é uma prática espiritual profundamente enraizada na nossa tradição católica, e seu valor é amplamente discutido por teólogos ao longo da história da Igreja. Entre os mais influentes, São Tomás de Aquino oferece-nos alguns pontos sobre o jejum que podem ser meditados para responder a esta pergunta. Vamos a estes:
O Jejum e a Caridade
Conforme nos explica São Tomás de Aquino, o jejum deve sempre estar orientado à caridade, pois sem amor, o jejum perde seu valor espiritual:
“O jejum é um ato da virtude e, portanto, deve ser feito com caridade, sem a qual nenhuma virtude pode existir” (Suma Teológica, II-II, q. 147, a. 3).
Caridade sobretudo para com Deus, mas também para com o próximo e para consigo mesmo.
- Jejuar em certos dias do nosso calendário litúrgico, como ato de piedade e religião, tendo sempre em vista que nada neste mundo deve nos dominar a vontade e o intelecto, porque estes devem estar livres para amar à Deus.
- Jejuar e orar pelo próximo, por aquele irmão que precisa de nossos pedidos de intercessão, ou porque através da melhora do nosso corpo e alma, melhoraremos também a vida do outro.
- Jejuar pelo bem de si mesmo. Para dominar as paixões interiores, subjulgar o corpo à alma, e também (não tanto como finalidade, mas como consequência proveitosa) melhorar a saúde do corpo que é templo de Deus.
Estes três amores (Deus, o próximo, a si mesmo) devem estar ordenados, e devem nortear todos os nossos atos, incluindo o ato de comer e beber. Portanto, o jejum não deve ser praticado por vaidade ou autoengrandecimento, para ter um corpo bonito a ser mostrado na academia através de roupas imodestas. Se você precisa emagrecer por motivos justos, ótimo, faça-o! Mas nada é mais longe do que o jejum cristão do que jejuar por vaidade, ou mesmo para demonstrar uma mais perfeita piedade entre os irmãos. Todo jejum feito com católicas intenções deve ser feito com um coração voltado para Deus e para o bem do próximo. A verdadeira essência do jejum está na disposição interior voltada à Deus.
Mas, é claro que o ato de jejuar pode trazer benefícios secundários ao corpo, já comprovados pela medicina e as ciências, e é lícito que haja esses benefícios. Contudo, lembre-se sempre: a caridade deve ser o cerne do meu jejum.
O Jejum em Três Sentidos
Dito isso, vale acrescentar que podem ser três os objetivos principais a serem alcançados com um jejum:
- 1) controlar os desejos desordenados da carne/ tornando-se remédio para a alma;
- 2) elevar o espírito a Deus/ complementando a oração;
- 3) fazer satisfação pelos pecados;
Santo Tomás de Aquino afirma que
“o jejum é praticado com três finalidades: em primeiro lugar, para conter as concupiscências da carne; em segundo lugar, para elevar a mente às coisas do céu; e em terceiro lugar, para fazer satisfação pelos pecados” (Suma Teológica, II-II, q. 147, a. 1).
1. O Jejum como Remédio para a Alma e o Corpo
A alma se beneficia de um jejum pois a moderação voluntária de alimentos ajuda a controlar nossas inclinações, torna a alma mais forte que o corpo, tornando-a mais receptiva à graça divina. É um ato de temperança, fortalecendo nossa vontade contra a inclinações concupiscíveis.
“O jejum é instituído para que, pela abstenção e moderação no comer, a carne seja sujeita ao espírito, e o espírito elevado a Deus” (Suma Teológica, II-II, q. 147, a. 1).
2. O Jejum é “complemento” da Oração
São Tomás de Aquino também enfatiza a íntima conexão entre o jejum e a oração. O jejum é como que um “complemento” da oração, aumentando sua eficácia junto à Deus. Muitos são os exemplos nas Sagradas Escrituras de ocasiões de oração e jejum que moveram a vontade do próprio Deus.
“O jejum é útil para a oração e outras obras espirituais, pois, ao abster-se de alimentos, o homem torna-se mais apto para as operações do espírito” (Suma Teológica, II-II, q. 147, a. 8).
3. Satisfação pelos pecados
“Satisfação dos pecados” significa reparar o mal cometido. Mesmo que nossos pecados possam ser perdoados através do sacramento da Confissão, há algumas consequências dos nossos atos que ainda permanecem, tais como o próprio efeito do pecado que cometemos (ex. dano ao próximo) ou uma maior tendência espiritual a cometer mais desses pecados (nossa concupiscência). Para recuperar sua “saúde” da alma e para reparar/satisfazer os seus pecados, o penitente pode receber uma penitência do seu confessor geralmente relacionada ao seu vício que possui ou virtude que lhe falta. Uma destas penitências, como formas de satisfazer nossos pecados pode ser o ato de jejuar. Note que se trata mais da abstinência e moderação de um prazer lícito (comer e beber) do que ilícito, ou seja, moderação voluntária de um ato que não é um pecado em si, mas que, como ato de virtude, pode ser uma satisfação pelos pecados, um remédio para tornar aquela alma mais virtuosa e prepará-la para a ação da graça divina e dos sacramentos.
O jejum é um ato de virtude
Santo Tomás chega a conclusão na sua Suma Teológica que o jejum é um ato de virtude sim! O jejum é um ato de abstinência, enquanto virtude, mas conforme afirma Santo Tomás, é um ato que se relaciona com muitas outras virtudes, como à religião e à castidade.
Além disso, segundo ele, em sentido amplo e metafórico, “jejum” também pode ser entendido (sensu lato!) como o ato de nos abstermos do pecado e de tudo que nos for nocivo, embora em sentido estrito signifique apenas a moderação dos alimentos.
O jejum propriamente dito consiste em nos abstermos de alimentos. Mas, em sentido metafórico, consiste em nos abstermos de tudo o que é nocivo e sobretudo do pecado. – Ou podemos dizer que também o jejum propriamente dito é a abstinência de todos os prazeres ilícitos… Nada impede que o ato de uma virtude pertença a outra virtude, desde que se lhe ordena ao fim, como do sobredito resulta. E, assim sendo, nada impede que o jejum pertença à religião, à castidade ou a qualquer outra virtude.(Suma Teológica, II-II, q. 147, a. 2).
Em suma, enraizado na virtude da temperança e orientado pela caridade, o jejum é um dos atos mais eficazes para a perfeição da vida cristã. Que possamos, inspirados pelos ensinamentos de São Tomás e de toda Santa Igreja, redescobrir o valor do jejum e abraçar essa prática, lembrando-nos sempre de como Nosso Senhor Jesus Cristo e todos os santos tiveram o jejum como hábito em suas vidas.
Há muitas outras belas observações a serem feitas sobre o valor do jejum, mas esta foi apenas uma rápida introdução.
Abaixo, deixarei uma seleção de algumas outras pregações, homilias, escritos e demais links que abordem com mais detalhes para você a continuação do assunto:
Para saber mais sobre jejum
Matérias no site do Padre Paulo Ricardo